quarta-feira, 21 de julho de 2010

PELAS TERRAS SANTAS DO PIAUÍ


A idéia de peregrinar pelas terras santas do Piauí seria a de se dirigir até o santuário pré-histórico onde foram descobertos vestígios dos homens e mulheres mais antigos de todo o continente americano. Uma viagem a pé até o nosso passado humano, a sítios arqueológicos de cerca de setenta mil anos atrás, ao útero ecológico de nossa humanidade americana.

Do ponto de vista místico, peregrinar é realizar a tarefa impossível de vivenciar o Jesus peregrino, a graciosa tarefa de encontrar o mesmo Jesus nos companheiros e companheiras de peregrinação, e estar atento ao mistério do aparecimento do mesmíssimo Jesus em coisas, acontecimentos, situações e pessoas que surgem ao longo da caminhada.

Sem levar dinheiro ou provisão alimentar, peregrinar é efetuar a experiência do despojamento e do desestabelecer-se. A mochila com uma única muda de roupa torna-se cada vez mais leve ao longo do caminho, à medida que o peso de medos e preocupações que trazemos dá lugar à leveza da lembrança do acolhimento e à confiança do cuidado de Deus vivenciado nas estradas.

Toda estrada, todo caminho, é apenas um intervalo, um depois e um antes. Por isso mesmo, caminhar é viver no espaço da liberdade, distante dos lugares fixos, das soluções prontas e das regras estabelecidas. O peregrino não é proprietário nem propriedade, não é senhorio nem inquilino, não é réu nem juiz.

A experiência da liberdade, de viver desarraigadamente, entretanto, não é a experiência da alienação. O peregrino não está fugindo, apenas caminhando. Caminhar é sair de e dirigir-se para. Ser caminhante é buscar o entendimento do novo e acreditar no inacabamento da vida. Em busca de seu objetivo, caminhando para novos e antigos lugares, o peregrino nunca tira os pés do chão. O peregrino não é árvore nem é pássaro, é ser humano que acredita na vocação do caminhar.

Por isso, o inter-espaço da estrada leva o caminhante à longa peregrinação para dentro de si mesmo, para a compreensão do companheiro e companheira de caminhada e para a percepção dos mistérios do caminho. Mistério de um Espírito que sopra em nosso interior a paixão pela vida. Vida que se derrama exuberante à nossa volta, em imagens e histórias inesquecíveis.

Caminhando junto com quatorze outros irmãos e irmãs peregrinos e peregrinas, palmilhamos as estradas que nos levavam pelas terras santas do Piauí. A caminhada criou fortes vínculos entre todos nós. Superar fome, sede, cansaço e dores foi a experiência comum e precisamos do cuidado uns dos outros. Divisamos limites pessoais e às vezes interrompemos à caminhada.

Saímos de Simplício Mendes até São Raimundo Nonato, cerca de cento e oitenta quilômetros de caminhos diversos. No outro dia, visitamos os sítios arqueológicos da Serra da Capivara, objetivo maior de nossa caminhada. Ali, diante dos nossos olhos reverentes, as pinturas rupestres de motivos diversos, testemunhos de irmãos e irmãs pré-históricas que tinham como hábito cotidiano a peregrinação. Mistérios dessa longa peregrinação do ser humano e do modo de ser desse Deus que peregrina com o seu povo. Mistério desse Espírito que faz da vida uma constante renovação e uma inconstante e surpreendente peregrinação.

Peregrinação inesquecível que durou cerca de sete dias do mês de julho de 2004.

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