lucia cantinho |
Marcos Monteiro
Na medida em que meu espaço diminui, o meu tempo aumenta, um
dos fenômenos da Era do Coronavírus. Administrar a histórica questão dos
excedentes, passa a ser desafio de investimento, e invisto o tempo a mais para
mais refletir, inclusive sobre o próprio tempo, estabelecendo hipóteses e
suposições. Sobre a antiga questão filosófica, se o tempo é contínuo ou
discreto, o meu tempo atual é descontínuo e indiscreto, oscilações e
curiosidades novas, que ajudam a delimitar este momento atual.
Tenho estado me perguntando quem primeiro inventou de fatiar
o tempo, imaginando que ele já foi pura fruição, sem relógios, cronômetros e
agendas. Dividido em pedaços cada vez menores, muitas vezes resiste, se
estendendo sem limites, e o rápido sorriso de meu neto Heitor tem a duração de
seis infinitos. Reverente, diante da imagem enviada por Laís pelo whatsapp,
consigo entender Kerkegaard, quando diz que “o instante é um átomo de
eternidade”.
Mas estamos em um novo tempo, que gosto de chamar de Era do
Coronavírus, fatia ainda sem definição de durabilidade, característica das
eras: não sabemos quando começam nem quando terminam. Em algum momento, na
Idade Média, alguém percebeu que estávamos na Era Cristã, e já havia mais de
quinhentos anos. O povo medieval nunca soube em que tempo estava, porque sua
época só foi batizada como Idade Média, muito depois que acabou, pelos
historiadores da Idade Contemporânea. Idades, podemos perceber, são pedaços de
tempo menores do que Eras, espalhados dentro delas.
Nesse espaço reduzido para ampliação do meu tempo, as
perguntas que chegam não têm fáceis soluções. Qual a duração de uma angústia?
ou de um susto? Quantas alegrias cabem no tempo da tristeza? ou o contrário?
Quanto tempo dura na minha pele um abraço tímido da minha filha? São algumas
das descontinuidades, oscilações e incertezas do meu tempo; mas algumas
certezas prevalecem. Imagens, frases, contatos, lembranças, nomes próprios, têm
a liberdade de caminhar, no seu ritmo e do seu jeito, pelos ritmos e jeitos do
meu tempo. Trazem densidades, e as certezas de que o amor é uma duração que não
acaba e a saudade um tempo que não sabe ser fatiado, nunca.
Admito que foi um apressamento atrevido nomear esses novos
tempos como a Era do Coronavírus. Mas, pode ser que pesquisadores futuros se
debrucem sobre o antes e depois dos acontecimentos atuais e acumulem
comparações detalhadas sobre esse novíssimo a.C e d.C, desde que todas e todos
admitimos que jamais a vida será como antes. Se muitos e muitas já anunciavam a
proximidade de um novo tempo, uma mudança drástica e radical de natureza
cósmica e planetária, talvez não devesse ser surpresa que essa virada tenha
causa virótica. Os vírus e bactérias vêm se espalhando pela nossa humanidade,
de forma violenta, inclusive em sua cepa digital.
Ontem assisti a um filme e depois a uma cena na televisão.
No filme, “A origem”, o herói, protagonizado por Leonardo DiCáprio, propõe que
uma ideia é mais violenta e contagiosa do que vírus e bactérias. Na cena
televisada, o presidente do Brasil faz um pronunciamento, cercado de ministros,
todos com aspecto de doentes. Tenho alertado sobre a epidemia de “bolsonarite
crucis” que assola o país, causada por uma bactéria disforme, com sintomas
ainda em observação. Todos os ministros apresentavam sintomas de infecção
avançada: sudorese, faces pálidas e confusão mental, com uma cara de “o que
estou fazendo aqui?”, como tentou definir minha filha. A doença é grave e tem
natureza ideológica. Fiquei pensando que na Era do Coronavírus, talvez
estejamos na Idade do Bolsonaurus, e o meu desejo é de que essa Era não se
prolongue muito e essa Idade acabe hoje.
Extraordinário meu amigo.
ResponderExcluirUm texto que nos faz refletir sobre o que aconteceu e acontece no nosso país e mundo.
Abraços Ícaro.
Era de bolsonaurus, com manadas de evangelicossaurus, malafaiassaurus, macedossaurus, morossaurus,globossaurus,silviossantossaurus,etc etc etc
ResponderExcluirValeu,camarada.😉
ResponderExcluirEstupendo!
ResponderExcluirVocê me surpreende a cada dia com teus textos meu primo, exato nas palavras muito bem colocadas! Beijos, Lucinha
ResponderExcluirTomara que o dia de festejar o fim esteja perto.
ResponderExcluirSaudades de uma conversa ao vivo, meu brother.
ResponderExcluirMuito bom Marcos!
ResponderExcluirUma maravilha, ou ainda um Marcovilha.
ResponderExcluirAvemaria, esgotaram-se as palavras, estão todas aqui. Que beleza de reflexão!!
ResponderExcluirQue beleza de texto Meu caro amigo. Uma reflexão Kierkergaardiana!
ResponderExcluirAbraços, Walter Macedo
Salve Marcos! Perfeito! A sua tentativa de esclarecer a questão do tempo, com suas divisões entre eras, milênios, séculos, idades ... me deixa bem a vontade, talvez porque nem me sinto mais por aqui. Indiferente está cronologia, sinto que já cantei pra subir... E o povo doente e adoecido para mim são indiferentes, eu nem os percebo mais... Como não estou percebendo está coisa de corona vírus...uma sensação de estar mais pra lá que pra cá. Gosto muito da forma poética com que você expõe coisas tão fluidas como o tempo ou tão duras como isso que está aí. Abraços amigo, você continua sendo 'o cara'!
ResponderExcluirUm belo texto. Parabéns
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