Marcos Monteiro
A semana na Vila não foi lá das
melhores. Teve a discussão pública entre Valdelice e Paranísio, com barraco
garantido e indexação de palavras de baixo calão. E outras discussões com
barracos menores porque de casais não tão referendados. Teve a notícia da morte
de Plínio Arruda Sampaio, unanimidade local depois de Paranísio apoiar. E teve
a gripe com tosse braba de Mãe Silícia que deixa toda a Vila assim com a
preocupação meio gripada também. Teve o encerramento da Copa do Mundo com a
premiação merecida da Alemanha. Mas, antes de tudo teve a goleada também
merecida de sete a um sobre a seleção brasileira dessa mesma Alemanha. E aí foi
demais.
Não adiantava Paranísio explicar
mais uma vez que Copa do Mundo era somente um torneio entre milionários
assistido por milionários porque isso todo mundo entendia sem querer entender.
Quando o milionário Neymar quebrou uma vértebra, o pessoal ficou meio quebrado,
porque entendia que Neymar era tão bom jogador que talvez até tivesse lugar no
banco do atual Maravila F. C, em que o centroavante Cocada ainda reina
absoluto, como melhor jogador do mundo, apesar de seus trinta e nove anos.
Sem Neymar, o Brasil ficou
dependendo dos milionários Hulk e Oscar que se esforçaram, mas não conseguiram
enfrentar os milionários da Alemanha, ainda mais com a defesa sem o milionário
Tiago Silva, cumprindo suspensão. Aliás, futebol talvez seja o único lugar onde
milionário é suspenso ou expulso. Pena que o milionário Felipe Scolari e os
milionários Parreira e Murtori não foram expulsos antes da Copa por algum juiz
também milionário, mas sensato, que aproveitasse o ensejo e também expulsasse
mais milionários, como os comentaristas tipo Galvão Bueno e outros.
Passar de futebol para a política
era passar de Felipão para Dilma, mas novamente para a explicação de Paranísio
que nesse sistema capitalista também a política era coisa de milionário.
Portanto, a candidatura da milionária Dilma tinha a oposição do milionário
Aécio e do outro milionário Eduardo Campos ou de outros milionários ou
candidatos a milionários.
Então teve aquele comentário
sobre essa estranha Copa em que os pequenos enfrentaram os grandes com muita
força e que nem um papa argentino nem um Deus brasileiro conseguiram garantir a
taça aqui nesse Brasil que nem sempre lembra que é sul-americano. O comentário
somente serviu para Paranísio dar continuidade à sua doutrinação socialista e
explicar mais uma vez que também a religião é coisa de milionário nesse mundo
em que o único Deus que manda é o Capital.
Então, religião, política e
futebol, esse reduto do sistema capitalista, no cotidiano da Vila Maravila,
tornou-se espaço de resistência de outra possibilidade de vida, em que a
existência não venha com etiquetas com preços afixados. Nesse campinho em que
se joga com gosto e por diversão, onde as pessoas convivem apesar de suas
diferenças, nessas rodas em que os assuntos se apresentam sem censura e o
assunto da religião é benvindo entre outros e nessas reuniões em que as
decisões mais importantes são tomadas a partir de longas discussões, futebol,
política e religião passam a ser componentes existenciais de vida que não pode
ser vendida.
Em uma roda dessas se lembrou dos
estádios construídos e dos postos de saúde não construídos, mas entre uma coisa
e outra se lembrou da insegurança do torcedor que pode morrer porque um louco
qualquer pode lançar uma privada sobre a torcida sem pensar em consequências.
E então, Paranísio, aproveitando
a deixa sem dó nem piedade, assegurou que as privadas têm sido jogadas sobre
nossas cabeças há muito tempo. A copa do mundo mesmo era uma grande privada
arremessada sobre uma grande torcida que paga sem saber o preço das manobras do
capital no mundo todo. A FIFA é essa grande empresa privada multinacional que
conseguiu fazer do futebol uma imensa fonte de lucro, produzindo, implementando
e comercializando essa estranha mercadoria chamada paixão. Estranha essa
construção com privada na copa.
Mas também as multinacionais
privadas vêm dominando o nosso alimento, o nosso lazer, a nossa arte, a nossa
educação, o nosso tempo, o nosso espaço, a nossa vida. As privadas vêm sendo
arremessadas sobre as nossas cabeças há tanto tempo e com tanta força que nem
podemos entender como sobrevivemos até agora. Somos cidadãos que resistem em um
mundo que não compreendemos, precisados de reaprender o significado da palavra
violência.
Resta-nos, talvez, a dignidade do
pequenino gaulês Asterix que, sob a ameaça do grande império romano, tinha
somente o medo que o céu caísse algum dia sobre a sua cabeça. E nesses dias em
que a poderosa Alemanha derramou um sete a um sobre as nossas esperanças,
podemos continuar enfrentando todo tipo de adversidade e ameaça de fronte
erguida, torcedores corajosos e apaixonados pelo jogo da vida, somente com esse
medo não mais surrealista de que uma privada caia em algum momento sobre nós.
Feira de Santana, 14 de julho de
2014.
Sempre prazeroso ler tuas narrativas bem-humoradas e provocativas, Marcos. Grande abraço paranaense pra você!
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