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Gn 39-47
Todos esses capítulos narram como
os sonhos do adolescente José se tornaram uma realidade. Examinados com
cuidado, eram sonhos de grandeza em que não lhe bastava ser o patriarca da
família (feixes de trigos que se inclinavam reverentes), precisava ser o
governador do mundo (sol, lua e estrelas em atitude de adoração). José se torna
uma espécie de Faraó, governador do Egito tão poderoso quanto o próprio, senhor
de uma terra faminta e castigada pela seca.
Os sonhos incomodavam seus irmãos
e José tem de caminhar pelos subterrâneos da vida. De lama de cisterna a
mercadoria de caravana até chegar a prisioneiro de calabouço, estranho caminho
para realização de sonhos. Quais as lições aprendidas nesse tortuoso percurso?
Jacó, seu pai, aprendera a ser sempre ardiloso, a usar todas as armas da
transgressão para subir na estrutura patriarcal. José nunca transgride os
códigos, aprende o caminho da obediência e da aliança com os mais poderosos.
Bem, Javé acompanha todas essas
coisas na realização desses sonhos e Javé tem seus segredos e propósitos. Continua
distribuindo sonhos: copeiro, padeiro e o próprio Faraó sonham. O sonhador José
havia se tornado perito em decifrar sonhos e isso o leva a se tornar governador
de todo o Egito por decreto do Faraó. Os sonhos de vacas magras e vacas gordas,
espigas mirradas e espigas cheias, são avisos de Javé sobre fome no mundo e
necessidade de se preparar para sobreviver.
Desse modo, diante de uma fome
que atinge todo o mundo, os irmãos vão ao Egito para comprar alimento e se
inclinam diante de José exatamente como nos sonhos. Aliás, o mundo todo,
faminto, se inclina diante de José, que se tornou todo poderoso.
Em uma série de peripécias
deliciosas, José termina por se dar a conhecer aos irmãos e desse modo garantir
a sobrevivência dessa família amada por Javé, levando-a para o melhor da terra
do Egito. E o resto do povo?
Aqui vale a pena perceber a ambiguidade
dos sonhos realizados. Estranho esse José que sofreu bastante, mas sempre se
colocou ao lado do sistema, respeitando os códigos patriarcais, inclusive os
códigos sexuais. O episódio mais interessante é o momento em que escapa
totalmente ao assédio da mulher de Potifar, alegando fidelidade ao comandante
da guarda real.
Não há nenhuma narrativa a partir
da mulher de Potifar e novamente nem sabemos o nome dela. Se há embutida uma
história de amor e paixão complicada como muitas outras não interessa a
ninguém. A vingança da mulher que denuncia José por assédio faz com que se
confirme o estereótipo da mulher pecadora. E José passa para a história como o
jovem casto e fiel capaz de enfrentar as tentações. Será?
Alguns episódios protagonizados
por José são sutis e cruéis, embora aparentemente bem comportados. José joga
com os seus irmão o jogo da ameaça e do perdão. Mas mais ainda: José arrecada
do povo egípcio mantimento que depois vende ao mesmo povo, prerrogativas do
poder. E pior ainda: toma terras e gado de todo o povo e finalmente o
escraviza, tirando-lhe autonomia e dignidade pessoal. E o povo ainda agradece.
José parece ser dessas pessoas
bondosas e certinhas, muito úteis para os poderosos. Desde pequeno José estava
do lado do pai contra os irmãos (e contava ao pai os malfeitos que via). Do
lado de Potifar contra a mulher. Do lado do carcereiro, do lado do Faraó.
Sempre a serviço do poder. José era o azeite de oliva da carruagem
androcêntrica e patriarcal.
Estanho José e mais estranho
ainda Javé. Em suas predileções, manobrava sempre para salvar a família de
Jacó, mesmo que para isso precisasse escravizar todo o povo do Egito. Sonhos
quando realizados trazem a marca da ambivalência. Para que essa família querida
de Javé continue sonhando com a liberdade, todo um povo torna-se impedido de
sonhar. José, libertador de sua família torna-se o opressor do Egito.
Fenomenal, nunca ví antes releitura interpretativa parecida deste acontecimento bíblicos. Fascinante Marcos. Gostei da reflexão, mas cada vez mais eu fico intrigado com essa contra-mão de vários textos do antigo testamento. rsrsrs
ResponderExcluirFenomenal, nunca ví antes releitura interpretativa parecida deste acontecimento bíblicos. Fascinante Marcos. Gostei da reflexão, mas cada vez mais eu fico intrigado com essa contra-mão de vários textos do antigo testamento. rsrsrs
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