PARA QUE NÃO SE
REPITA
Marcos Monteiro
O massacre de Suzano é
infelizmente mais um momento da nossa história brasileira de horror, mais uma
repetição de Auschwitz,com as peculiaridades de cada vez. Desencadeou uma onda
de sofrimento e indignação que não consegue desmanchar, re-estabelece correlações entre educação e
barbárie e nos leva à consternação de que o processo educacional não conseguiu
até agora construir uma democracia consistente.
O campo de concentração
Auschwitz, na Alemanha, foi um efeito colateral do nazismo, o qual se tornou na
nossa história ocidental a parábola central perversa da capacidade de perversão
da humanidade. Então, os acontecimentos de Suzano nos trazem a frase de Adorno
“para a educação, a exigência que Auschwitz não se repita é primordial” (ADORNO.
Theodor W. Sociologia. São
Paulo: Ática, 1994, p. 33).
Mas Auschwitz se repetiu e ainda
se repetirá em micros e macros espaços. Podemos dizer que Theodor Adorno desenvolve
a teoria crítica da sociedade. Chocado
com o nazismo, se torna um observador dos processos que geram a civilização, um
crítico repetitivo da sociedade capitalista, atendo-se primeiro às micro construções,
aos pequenos gestos, carregados de significado e de momentos emblemáticos.
Antes e durante os campos de
extermínio, a sociedade alemã fora ocupada pelo gesto do braço levantado, em
submissão absoluta ao líder e à sua sanha delirante de poder. Aqui, o gesto de
uma mão que imita arma de fogo se tornou símbolo irracional de campanha
presidencial e Suzano se transformou no prolongamento do gesto, concretização
do símbolo violento, sangue inocente derramado que questiona a inocência dos
gestos.
Depois do nazismo, a educação
autoritária entrou em colapso e a proposta de uma formação que gerasse um
espaço de autonomia, de reflexão crítica, que estabelecesse um suspiro entre a
ordem de comando e a obediência cega, entre os gestos e as atitudes, entre os
signos e os reflexos delirantes, começou a tomar forma. Não é à toa que a
Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire se torna um nome para a Pedagogia da
Autonomia, defendendo um processo de conscientização participativa, longe da
sloganização e dos signos massificadores.
Por isso, esse combate obsessivo
em terras brasileiras a Paulo Freire torna-se sintoma preocupante, acompanhado
de outras instâncias em que o autoritarismo, o moralismo, o dogmatismo, se
estabelecem enquanto caminhos de solidificação de um sistema gerador de
desigualdades, facilitador de violências. Mais uma vez é o capitalismo que se
encontra em cheque, contradições insustentáveis encobertas por uma
espetacularização da sociedade e do ser humano.
Qualquer análise mais acurada nos
mostra que a pedagogia de Paulo Freire nunca se estabeleceu em sua
potencialidade crítica na educação brasileira. A autonomia, o processo de
passagem de uma situação de paciente a agente social, não interessa à sociedade
em que as hierarquias se multiplicam e o autômato é muito mais eficiente à sua
manutenção.
Então, o momento vivido
atualmente e nos anos recentes de nossa política eleitoral, precisa continuar
sendo refletido em suas semelhanças e diferenças com outros. Precisamos
insistir na reflexão sobre o nosso sistema educativo para que Eldorado não se
repita, para que Carandiru não se repita, para que Candelária não se repita,
para que Auschwitz não se repita, para que Suzano nunca se repita.
Recife, 19 de março de 2019.
Meu caro Marcos, obrigado pela profunda reflexão sobre o assunto. Tentando empurrar esse tema um pouco mais além, desconfio que uma profunda cultura da violência se enraizou em nosso tempo atual, independente até mesmo da sociedade em que vivemos. Ela existe tanto no Oriente como no Ocidente, e tantos entre os ditos "civilizados" como cá entre nós, míseros tupiniquins. A banalidade do mal tão bem descrita por Hannah Arendt contaminou completamente o tempo presente. Um problema talvez para além da própria educação.
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