boitempo |
Maceió, 04 de outubro
de 2018
Deus acima de tudo. O
deus do dinheiro?
Meu querido inimigo
Confesso a minha frustração. Ainda não consegui lhe amar,
como Jesus pediu, e essa é a última carta, talvez a mais dolorosa. Cada uma
está sendo um parto e, como não tenho útero, sinto as dores de um homem parindo
uma bezerra, tomando emprestado uma imagem.
E bezerro por bezerro, lembrei que você usa o mote “Deus
acima de tudo” e me pergunto se o que você adora não é aquele bezerro de ouro
do Êxodo. Por causa disso, gostaria de compreendê-lo a partir dos dez
mandamentos.
O seu patrimônio e o de sua família é muito grande e tem
aumentado a cada ano. Desse modo, desconfio que o seu deus é o Dinheiro, e a
sua profaníssima trindade, propriedade, poder e prazer. Você pode até não se
curvar diante de imagens, mas construiu uma imagem de si mesmo que os seus adoradores
chamam de mito.
Interessante, dos inúmeros mitos das antigas tradições,
pensei na Esfinge e em seu enigma, “decifra-me ou te devoro”. E se eu lhe
decifrei você tem tentado devorar cotas para negros, terras para índios, leis
de proteção às mulheres, direitos dos trabalhadores e trabalhadoras. Então,
você não segue os primeiros mandamentos e idolatra a si mesmo e sua imagem
mítica.
O aumento da jornada de trabalho é exatamente o contrário do
princípio do sábado. O direito ao descanso remunerado está associado ao direito
ao trabalho, e a luta por menos direitos para mais trabalhos é uma falsa disjunção,
que pode ser colocada igualmente na violação do princípio trazido pelo sábado.
Mães, mulheres, são postas como pessoas de segunda classe,
com direito a salário menor e com menos licença-maternidade, sem a proteção da
Lei Maria da Penha, e são coisas comestíveis, como uma de suas frases vem
dizendo, o que coloca pelo menos três mandamentos sob suspeita de violação.
Possibilidade de vantagens ilícitas, usurpação de direitos
de índios e negros à propriedade, podem ser chamados de furtos, bem como
acusações infundadas e mentirosas são falsos testemunhos. A luta pelo
extermínio de bandidos, ainda com o agravante do elogio da tortura, é
desobediência explícita ao mandamento “não matarás”, do mesmo modo que são
estratégias de morte, políticas que abandonam a proteção dos mais pobres.
Pois bem, meu querido inimigo, sobrou apenas um mandamento,
sobre o qual estou em dúvida. Você usa exageradamente o nome de Deus, o que em
política e teologia tem uma vaguidão conveniente. Qual o seu deus e o que
significa “Deus acima de tudo” como programa de políticas públicas? Também,
essa convicção que você expressa de ter sido escolhido por Deus, significa
exatamente o que? Você sabe que Hitler se considerava um escolhido de Deus e
também foi apoiado maciçamente por evangélicos.
Então, me parece que não está usando o nome santo de Deus em
vão. Em nome de Deus está conseguindo muitos votos e muitos apoios religiosos,
para torturar e matar bandidos, para discriminar negros, índios e mulheres, e
para extinguir direitos dos trabalhadores e dos mais pobres. Fico impressionado
como os discursos de pastores e líderes evangélicos conseguem ver coerência em
você.
Não é em vão que usa esse nome, pois qualquer pessoa sabe
que o nome de Deus abre portas para sucesso, poder e fama. É uso indevido,
manipulação eleitoral grosseira, mas não é em vão: funciona.
Se houvesse discernimento verdadeiro das lideranças, você
seria considerado um não-cristão, um herege, e correria perigo porque a igreja
que lhe apoia também considerou e ainda considera herege bom herege morto.
Chego a essa última carta exausto e sem esperança de
aprender a lhe amar, meu caro inimigo. Então, eu insisto, converta-se ao Deus
do amor, da justiça, da verdade e da misericórida. E acabe com essa mania de
querer ser presidente. Será muito melhor para você, e para o Brasil, e para os
cristãos.
No aprendizado do amor
Marcos Monteiro, pastor batista.
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