blogdofasoares |
Marcos Monteiro*
Somos poéticos e políticos. Fazer
as palavras cantarem e cuidar do espaço em que existimos como grupo social são
dois aspectos da nossa condição humana.
No mundo da disjunção separamos
displicentemente aquilo que constitui um todo e não podemos imaginar ser poéticos
e políticos ao mesmo tempo. Na poesia distendemos a linguagem pelos caminhos do
novo, jeito de caber tantos mundos especialmente os impossíveis. Na política
organizamos o discurso para que o mundo de todos nós seja o melhor possível. O
mundo nos antecede e nos constitui a todos, assim como nos antecede a poesia e
a política. Somos poetas e políticos até sem querer porque imersos na linguagem
e no mundo. Somos parte e relação e isso nos leva ao cuidado e à fascinação
pela beleza e pela sociedade em que nos movemos.
O poeta é um artesão da palavra e
o político um artesão da sociedade. Entretanto, no sistema capitalista em que
nos movemos os artesãos foram transformados em assalariados, proletários da
linguagem e proletários da vida. Pequenos salários para os poetas e grandes
salários para os políticos, tipo estranho de assalariado que pode decidir sobre
seus ganhos e vantagens. Essa proletarização se constitui em sequestro e amordaçamento
de nossas vocações fundamentais. Por este motivo, poesia e política, na acepção
da palavra, só podem acontecer como subversão. Subversão poética da linguagem e
subversão política dos tradicionais procedimentos que nos deixam a todas e
todos atônitos e desencantados.
Na sempre lembrada poesia de Fernando Pessoa,
O poeta é um fingidor
finge tão completamente
que chega a fingir que é dor
a dor que deveras sente.
Ilusionista de sentimentos e
provocador de descaminhos, o poeta caminha pela linguagem em conflito com a
mesma. Por outro lado, o político, transformado de artesão em assalariado, faz
outro tipo de ilusão. A ilusão de que ainda tenta tecer um mundo melhor, quando
se tornou mantenedor do mesmo mundo. A sociedade democrática que diz
representar normalmente não se reconhece em seus discursos nem em seus
projetos. Assim, fingidor de outra maneira poderia ter na seguinte paráfrase
uma espécie de perfil.
O político é um fingidor
finge tão perfeitamente
que chega a fingir ter dor
da dor que causa na gente.
A construção política da
sociedade democrática é de um mundo em que todas e todos podemos fazer poesia e
política enquanto vocação humana. O político profissional, assalariado do
capital, não está a serviço da maioria, mas da gestão que prevê brutal
concentração de renda e inevitável discriminação e desigualdade social.
Não temos dúvida de que as
manifestações de junho, em sua ambiguidade e complexidade, apontaram para a
vocação política da humanidade. Alijados de um processo chamado democrático
pessoas de todos os lugares e de todas as situações se apossaram de um espaço que
lhes pertencem por direito, mas que lhes é negado de fato, as ruas. Nas ruas
estabeleceram diversas pautas e provocaram conflitos de diversos portes. Mas
havia música e dança e criatividade. Naquele momento, fomos todas e todos,
políticos e poéticos.
*Marcos Monteiro é assessor de pesquisa do
CEPESC. Mestre em Filosofia, faz parte do colégio pastoral da Comunidade de
Jesus em Feira de Santana, BA e do grupo de pastores da Primeira Igreja Batista
em Bultrins, Olinda, PE. Também faz parte da diretoria da Aliança de Batistas
do Brasil e é membro da Fraternidade Teológica Latino-Americana do Brasil.
CEPESC – Centro de Pesquisa, Estudos e
Serviço Cristão. E-mail cepesc@bol.com.br, site www.cepesc.com.
Fone: (71) 3266-0055.
Nenhum comentário:
Postar um comentário