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“A vida vale a pena de suas frases”:
Rubengálvio Molejo de Farias. Essa frase, repetida vez em quando pelo próprio
Rubengálvio, o qual Gerlúcido classifica como “o artífice e colecionador
silencioso de frases”, descreve, na maníaca precisão gerlúcida, o permanente e
maciço silêncio do autor do epíteto, silêncio quebrado somente para frases
antológicas, suas ou de outros, porque costuma dizer que o “ontológico é
antológico”.
Frases como o paradoxo que explica
a impontualidade de Artunalpo, “se ele ainda não chegou, então vem”, ou que se
aplica à opinião indecisa de todos nós, “acho que sim, penso que não”, ou a
audaciosa frase para polemizar com a mania de Gerlúcido de citar estatísticas:
“a ciência não é científica”.
A frase deve merecer ser escrita.
Emerge da linguagem, do cotidiano oral, da vivência humana, e deve ser remetida
de volta, em percurso ordenado reverente. Em outra frase: “a vida está a
serviço da linguagem, e a linguagem a serviço da frase, e da frase escrita”.
Uma vida é um amontoado de frases banais, à espera da frase escrita, menos a
vida de Rubengálvio, cujo silêncio é o único útero da cuidadosa frase à
espreita.
Quando Rubengálvio cita uma frase
sua, sempre acrescenta o próprio nome de autor: Rubengálvio Molejo de Farias.
Quando a frase é dos outros, o autor não precisa ser identificado, é do domínio
público. Mas conhece o nome de cada autor, além do livro onde está citado, às
vezes da ocasião em que foi pronunciada. Procura sempre a versão mais
atualizada da origem da frase, que “a origem é o olho d’água das cataratas”,
mas está sempre se atualizando.
Por exemplo, a famosa frase
atribuída a tanta gente, “tudo na vida é passageiro, exceto motorista e
cobrador”, a origem pertence, por enquanto, ao Barão de Itararé, o antológico
Apparício Torelly, escrita originalmente como “tudo na vida é passageiro,
exceto motorneiro e cobrador”, detalhe que transfere glória de ônibus para
bonde, mas que pesquisas podem apontar para outra ou outras origens.
Se já está firmado, desde já, que
a ciência não é científica, podemos continuar caminhando com Rubengálvio para
entender que “a história é a maior das invenções científicas”. Pois, se a
ciência é a fornalha dos artefatos técnicos, o maior de todos teria sido a
história, “conto narrado por um idiota em fúria, sem qualquer sentido”, ou
“algo que não aconteceu narrado por alguém que não estava lá”. A primeira frase
pertence a Rubengálvio Molejo de Farias, as duas últimas ao domínio público,
ou, se pesquisarem, a Shakespeare, e a Machado de Assis, respectivamente.
Colecionador e inventor, também é
escultor ou ourives, procurando a frase e remodelando-a, como faz com o
provérbio transformado em “para bom entendedor meia palavra bas” e o outro,
antonomicamente, “quebrou dois cajados num coelho só”.
Pode-se perceber que se a vida
deve ser vivida em frases e frases antológicas, o cotidiano de Rubengálvio é
feito especialmente de silêncio, ou de silêncios, como prefere Gerlúcido.
Percorre silenciosamente livros e textos, à busca incansável da frase perfeita,
ou é companheiro silencioso de rodas de conversas ou de atividades
corriqueiras. Mas seu silêncio não é monocórdio, é um composto de expressões,
que Gerlúcio procura maniacamente classificar. Atento a nuances, capaz de
identificar inúmeros tipos de silêncio, coloca a maior parte de suas expressões
silenciosas no gênero da “ironia”, mas não consegue se decidir se os silêncios
de Rubengálvio são irônicos, em sua imensa maioria, ou se Rubengálvio seria a
própria ironia em devastador silêncio.
Enquanto isso, a vida, a
história, a família, os amigos, vão acompanhando o seu solene e impenetrável
silêncio, irônico, como garante Gerlúcido, ou não, como desexplica
misteriosamente o próprio Rubengálvio, mas com a certeza de que as frases estão
por aí, nos contemplando, e surgirão no momento propício, dos livros, da vida,
ou bem particularmente dos lábios e labor de Rubengálvio.
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