Quando a palavra profética é
libertadora
até mesmo para um sujeito infiel
como Acabe.
Até aqui tudo se passara dentro
do costume internacional das relações entre países. A história preparava-se para
se desenrolar dentro do campo do rotineiro, do previsível, e os prognósticos
eram os piores possíveis. Surge então a esquisita e imprevisível figura do
profeta, acrescentando um elemento radicalmente novo ao desenvolvimento da
disputa.
O profeta traz novas palavras,
novas previsões, e novos significados à situação de crise. É palavra abençoadora,
aprazível palavra para a angústia de Acabe. Se a crise é democrática, mais
democrática ainda é a palavra profética que abençoa até mesmo o infiel Acabe.
A palavra profética muda a
direção e o significado da guerra. A guerra torna-se emblemática e educativa.
Javé pretende, a partir dessa específica batalha, demonstrar mais uma vez que é
o único Senhor. Nem Acabe, nem Ben-Hadad, nem os deuses de Damasco, são
senhores, mas Javé. A crise é a oportunidade de conversão do infiel Acabe.
E eis que um profeta, chegando-se a Acabe, rei de Israel, lhe disse:
Assim diz o Senhor: Viste toda esta grande multidão?
eis que hoje ta entregarei nas mãos, e saberás que eu sou o Senhor (v.
13).
Nas inesperadas relações
amistosas estabelecidas com os profetas, Acabe pede até detalhes, estratégias e
táticas de combate, em uma inesperada e completa submissão. A palavra profética
não lhe falha: desenha a tática de combate e lhe instrui sobre os próximos
movimentos a serem realizados.
O resultado é que o confiante
Ben-Hadad, tão confiante que se embriagava nas tendas com os seus trinta e dois
reis, sofre fragorosa e inesperada derrota. Derrotado pela palavra profética, pelo
juízo de Deus que descia subitamente sobre a sua vaidade e prepotência.
Saíram, pois, da cidade os moços dos chefes das províncias,
e o exército que os seguia. E eles mataram cada um o seu
adversário.
Então os sírios fugiram, e Israel os perseguiu; mas Bene-Hadade,
rei da Síria, escapou a cavalo, com alguns cavaleiros.
E saindo o rei de Israel, destruiu os cavalos e os carros,
e infligiu aos sírios grande derrota (v. 19 -21).
Quando a palavra profética mantém
o estado de vigilância e garante
a vitória total.
Instaurada com a vitória a
euforia nacional, é o profeta quem mantém a serenidade e garante o estado de
vigilância. Raramente, as crises se
resolvem em uma única batalha e, por
causa disso, as tarefas não acabam com a
primeira vitória. A palavra profética tem esse caráter de se antecipar às
situações para não se deixar apanhar despreparado.
Então o profeta chegou-se ao rei de Israel e lhe disse:
Vai, fortalece-te; atenta bem para o que hás de fazer;
porque decorrido um ano, o rei da Síria subirá contra ti (v. 22).
A estranha derrota de
Ben-Hadad clama por explicações do lado
sírio e os conselheiros preparam as suas palavras para entender o
acontecimento. A guerra torna-se, então, uma guerra de significados e,
inevitavelmente, uma controvérsia teológica. Para a época, toda batalha era, ao
mesmo tempo, uma batalha entre deuses e alguma coisa acontecera que não deixara
os deuses da Síria muito confortáveis.
Os servos do rei da Síria lhe disseram: Seus deuses são deuses
dos montes, por isso eles foram mais fortes do que nós;
mas pelejemos com eles na planície, e por certo prevaleceremos
contra eles. (v. 23).
Resolvida a questão
teológica, refeito o exército, reformulada a estratégia de combate, um Ben-Hadad muito mais atento dispõe a sua
multidão de guerreiros que enchiam a
terra, contra o pequenino rebanho de cabras dos guerreiros de
Israel. Novamente, a palavra profética intervém decidida a
provar que a questão teológica não estava resolvida e a demonstrar que Javé é
Deus de toda a terra, dos vales, das montanhas e das planícies.
Transformada em questão de honra
de Javé, a guerra torna-se em contundente destruição do exército sírio. Cem mil homens mortos no campo de batalha, vinte
e sete mil restantes esmagados pela queda dos muros de Afeque e um Ben-Hadad
escondido em um quarto interior da cidade, descrevem os destroços de um poder
julgado pelo poder de Deus.
A crise terminara. A palavra
profética cumprira o seu ciclo educativo. Javé demonstrara o seu poder absoluto
sobre as pretensões da história, libertara Acabe e a nação israelita e julgara a
nação insolente e opressora. As próximas etapas do texto, tratarão das
surpreendentes consequências desses episódio para a vida de Acabe e do povo de
Israel.
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