O capítulo 20 do primeiro livro
de Reis é a narrativa, com cores de história popular, das relações desses profetas anônimos com um
momento concreto da história do rei Acabe. É a história da palavra profética
pronunciada em um momento de crise e de suas inesperadas consequências. Dividimo-la em seis pedaços, cada um com um
título meio folhetim, para manter o seu sabor popular.
1. V. 1-4
Quando um rei descobre
repentinamente
que é apenas um homem.
A história começa com a capital
Samaria cercada pelo exército do tradicional inimigo, a Síria, com os
mensageiros do rei Ben-Hadad começando o movimento costumeiro de indas e vindas
de exigências que deveriam culminar em uma batalha e na rendição total da nação
israelita.
E enviou à cidade mensageiros a Acabe,
rei de Israel, a dizer-lhe:
Assim diz Ben-Hadad: A tua prata
e o teu ouro são meus; e também,
das tuas mulheres e dos teus filhos, os melhores são meus. (v.
2-3).
A mensagem desencadeia uma
situação de crise, dessa democrática crise que atinge a todos, ricos e pobres,
fortes e fracos, reis e plebeus. Crise pessoal e crise nacional pela imbricação
inevitável entre rei e povo, líder e comunidade.
A crise de Acab é de natureza
econômica, descobre que o que tem pode lhe ser tirado sumariamente; de natureza
afetiva, sua família pode se desagregar a qualquer momento; mas,
principalmente, de natureza política, todo o seu poder pode ser reduzido a nada
diante de um poder maior. O poder usurpador pode repentinamente tirar-lhe
bens, afeto e posição social.
O impacto transforma Acabe de
dominador em dominado, de explorador em explorado, de rei em vassalo. Por isso,
essa é a história do momento em que um rei descobre que é apenas um homem e
essa primeira parte termina com a humilde e subserviente confissão diante do
sírio prepotente, por parte daquele que antes não se curvara diante de Javé ou
de seus profetas.
Ao que respondeu o rei de
Israel, dizendo:
Conforme a tua palavra, ó rei meu senhor,
sou teu, com tudo quanto tenho. (v.
4)
2. V. 5-11
Quando um homem descobre
dolorosamente
que precisa ser maior do que ele
mesmo.
Há duas intenções em disputa. Acabe
deseja contornar a crise e Ben-Hadad pretende agravá-la e, por conta disso, aumenta o nível de exigências. Não apenas a
declaração formal de posse que lhe dava contratualmente a soberania sobre
Israel, mas o saque ostensivo e predatório que lhe daria a soberania de fato e
humilharia totalmente o adversário. Qualquer resistência seria a guerra com uma
diferença esmagadora na correlação de forças, favorável à Síria, tanto em
guerreiros quanto em armas e artefatos de combate.
Tornaram a vir os mensageiros, e disseram: Assim fala Ben-Hadad
dizendo: Enviei-te, na verdade, mensageiros que dissessem:
Tu me hás de entregar a tua prata e o teu ouro, as tuas mulheres
e os teus filhos; todavia amanhã a estas horas te enviarei
os meus servos, os quais esquadrinharão a tua casa, e as casas
dos teus servos: e há de ser que tudo o que de precioso tiveres,
eles tomarão consigo e o levarão. (v. 5-6).
O agravamento da crise exige novas
soluções e novas atitudes. É preciso crescer diante das crises, ou sucumbir de
vez, e Acabe adota uma política inteiramente nova, reinventa o bom senso e
aconselha-se com todos os anciãos, representantes da sabedoria, pilares da
tradição. Um rei acostumado a decidir sozinho, ou no máximo em conselho de
família, com a esposa Jezabel, descobre-se homem e, como homem, sente necessidade
de dividir o peso do agravamento da crise.
Com o apoio dos anciãos, Acabe
enfrenta ainda timidamente o poderoso Ben-Hadad e nega-lhe o atendimento do
segundo lote de exigências. Afinal, a dignidade traça limites a determinadas
exigências e é preciso arregimentar forças para garantir, pelo menos, esse limite
mínimo de dignidade humana. O resultado é a previsível declaração formal de
guerra, com o rei sírio dizendo que tomará nas mãos o pó de Samaria.
A resposta de Acabe mostra a
desesperada luta interior de um homem que descobre no agravamento da situação
de crise que precisa ser maior do que ele mesmo. Diz, com o recurso de um provérbio popular, que
palavras e bravatas não ganham guerras, cada guerra tem a sua própria história,
e somente após a luta se deveria cantar vitória.
O rei de Israel, porém, respondeu: Dizei-lhe:
Não se gabe quem se cinge como aquele que se descinge (v. 11).
Estou sempre acompanhando e bebendo das suas elucubrações mestre...
ResponderExcluirUm abraço